PC Music — A história contada pela perspectiva audiovisual

For an Art Direction
7 min readApr 24, 2020

Quando PC Music é o assunto, nenhuma afirmativa acerca de seus rumos e objetivos é fatídica; e tampouco se sabe qual momento ao certo em que a cultura cedeu, quase que de forma abrupta, e permitiu o surgimento de um gênero audiovisual que soa pioneiro o bastante para ser uma simples crítica a indústria fonográfica. Para entender sua origem, ou ao menos tentar, esse ensaio foi construído a partir da perspectiva audiovisual de seu surgimento; resgatando referências essenciais para a compreensão de seus artistas e obras, e sempre atento a evidenciar o paralelismo de importâncias dentre o movimento, entre os fatores: imagem e música.

Nenhum estilo surgiu com uma identidade já tão bem consolidada, desde a estrita ligação do post-punk com o movimento new romantic na década de 80, quanto a PC Music; sons altamente texturizados encontram imagens ultra artificiais; em alto brilho e neon, teclados em arpeggio encontram sua cara metade dando vida a um gênero marcado pela inquietude, pela linha tênue entre o ultra comercial e vanguardista.

Desde o final dos anos 90, a new media art, especialmente internet art e seus derivados, têm englobado as premissas iniciais da pop art; mas com a globalização, a pop art ficou popularmente restrita ao teor visual e a new media art nunca conseguiu efetivamente alcançar um público senão o mesmo do cubo branco. Com a democratização do acesso a ferramentas anteriormente reclusas a grandes estúdios e produtoras, a internet fez revolução no cosmo artístico, adicionando a sua extensa paleta de possibilidades, novas formas de criar, exibir e pensar arte. E da colisão entre uma parcela de jovens afetados pela cultura de massa e que cresceram habituados a manipulação de imagens no Photoshop e outra parcela que se interessou pelo áudio desde o primeiro contato com ferramentas toscas de criação, nasceram as raízes essenciais do movimento aqui em questão.

Capa do álbum PC Music, Vol 1 (2015)

Tal qual o Photoshop está para o MIDI, se o MySpace foi um marco para a música, o Tumblr foi seu equivalente imagético. Muitos usuários utilizaram seus perfis na rede social apenas para disseminar trivialidades como fotos emocore, hematomas e cupcakes. Já outros, compreenderam a plataforma enquanto uma linguagem autônoma em potencial, e a exploraram através do seapunk, synthwave, vaporwave e collage art.

Sem dúvidas, A.G. Cook pensava em Andy Warhol quando idealizou o selo PC Music em 2013. O londrino — amante de música pop — projetou a policromática ambição do mainstream nas veias da Conceptronica, não muito diferente do que Warhol fez com as artes plásticas, ao evocar em suas obras tópicos como consumo e efemeridade, em meio a todo virtuosismo tedioso e elitista presente nas artes visuais.

A.G Cook e SOPHIE no SXSW 2014.

Em pouco tempo o selo se transformou em mais que um gênero musical, se converteu em um movimento cultural que se expandiu para além de seu coletivo de artistas, e com tal expansão, esse novo modo de arte ganhou contraste interno e se tornou alvo de críticas positivas e negativas em todo mundo. Seria PC Music uma crítica à indústria? Um ato satírico? Muito artificial ou uma piada que faz sentido pra poucos? Ainda é muito cedo para definir um sentido geral ao estilo ou condensar em um único propósito o que diferentes artistas com intenções distintas usam como suporte para tratar de variados temas. Mas se podemos ter uma única certeza, é que garantir risadas não é seu objetivo.

‘’Porque você se incomodaria em investir grande parte do seu tempo e energia em algo que é basicamente uma piada sobre outra coisa e não contribuir com nada? Eu acho que não vale a pena usar seu tempo dessa forma.’’ — SOPHIE, produtora.

Separamos aqui alguns exemplos de artistas e obras-chave para melhor entendimento dessa nova vanguarda que surpreendentemente volátil, segue em processo de (des)construção.

Hannah Diamond é uma das artistas que mais geraram dúvidas acerca da autenticidade do estilo e seu teor crítico. Parceira de longa data de A.G Cook, Hannah abusa de referências a marcas de luxo, criando um discurso ambíguo que parece reforçar tal opulência ao mesmo passo que critica um padrão de vida superficial — Podemos pensar sua existência como alguma persona que Cindy Sherman criaria para se equivaler conceitualmente aos emblemas de grifes em meio a bustos greco-romanos no vaporwave, que com charme retrô-futurista, anuncia a ascensão e queda do capitalismo.

Aqui creditado como Life Sim (em referência aos jogos que simulam a vida real), A.G. Cook propõe uma ruptura com os atuais formatos para produção de música eletrônica. A faixa ‘’Lightning Lipgloss Life’’ traz elementos de produções de glitch e wonky reminescentes a Hudson Mohawke em uma versão mega açucarada e hiperativa. A faixa lançada em 2017 e descrita por muitos como hyper pop ou bubblegum bass — outras nomenclaturas para PC Music consiste em arpejos que, em constante crescendo, parecem nunca encontrar um desfecho. Propositalmente sem tom conclusivo, a faixa se mascara em reverbs e novos timbres, mas em loop, sempre volta a seus elementos iniciais e nunca desagua em um drop, como nossos ouvidos estão habituados ao escutar EDM. Apesar disso, o final imprevisível é pesado o bastante para não ser dançante, quebrando a doçura da faixa em tom estroboscópico.

SOPHIE é outro nome chave para o movimento. A produtora foi responsável pela primeira grande projeção do gênero no mainstream, ao produzir junto a Diplo ‘’Bitch I’m Madonna’’, parceria de Madonna com Nicki Minaj. Mas esse não é seu grande feito: a escocesa também foi a primeira mulher trans a ser indicada ao Grammy.

Se A.G Cook está para Warhol — fomentando estrelas fictícias, como Hannah, para além dos 15 minutos de fama — , SOPHIE é Robert Rauschenberg para o movimento: Sua pesquisa sonora é baseada na materialidade do som, trabalhando com texturas agressivas e transições que vão do industrial ao etéreo em um piscar de olhos. Tal qual o gênio visual pré-pop, SOPHIE não desperdiça nada em suas produções. Através de um elektron monomachine, a artista produz sons similares ao de metal, elástico, balões, líquidos e vidro, buscando equiparar seu processo criativo musical ao fazer escultórico, através da plasticidade enquanto conceito.

Dorian Electra, mente idealizadora da inovadora faixa ‘’Flamboyant’’, faz uso da música eletrônica e suas possibilidades para tratar de questões externas, especialmente gênero. Além de criticar a construção da figura masculina na sociedade, Dorian usa o pitch a fim de tratar a não-binariedade a partir da modificação nos vocais de suas músicas.

Capa do EP 1UL (2017).

Danny L Harle, produtor britânico assinado ao selo PC Music, trouxe ar lúdico ao gênero. Danny tensiona o veículo da amalgama entre o audio e o visual em suas produções, especialmente em seu EP ‘’1UL’’, onde pinturas naturalistas foram manipuladas com alta saturação e cores artificiais. Um interessante deslocamento de linguagem para ilustrar a atmosfera romântica e hiperativa de suas músicas.

Charli XCX é a grande responsável pela contínua projeção do gênero, embora nem todas suas atuais produções sejam de fato PC Music, como frequentemente rotuladas. Com 4 projetos lançados entre 2016 e 2019, XCX conseguiu levar nomes como SOPHIE, A.G. Cook, Hannah Diamond e Danny L Harle a conhecimento público, além de ingressar no gênero, nomes de peso da indústria, como Sarah Hudson (Black Widow, Dark Horse, Physical).

Charli também inovou ao lançar mixtapes apenas em formato digital, algo não convencional para artistas assinados a grandes gravadoras, diminuindo a partir de um corte orçamentário as demandas impostas em relação ao tempo mínimo para promoção de um álbum, assim garantindo a possibilidade de lançar novas músicas após um curto período de tempo.

Por fim, o gênero segue repercutindo em diferentes meios, chamando atenção da cena clubber mundial e de artistas como Lady Gaga, que além de entrar em estúdio com SOPHIE, aderiu parte do plano estético PC para seu vindouro sexto álbum de estúdio, Chromatica. No Brasil, o duo CyberKills é a grande referência do movimento, principalmente por mesclar elementos da cultura popular brasileira á suas produções, que englobam artistas como Pabllo Vittar, Mia Badgyal e Linn da Quebrada.

Enquanto críticos discutem se PC Music é ou não o futuro da música pop, seus artistas se preocupam veementemente em executar suas produções, diluindo fronteiras que pareciam ter sido superadas — como sampleamento e interpolação — , para além da ambição do pioneirismo, mas por honestidade, pelo fogo de explicitar ao mundo que é possível fazer grandes coisas com poucos recursos. O selo que deu nome ao gênero, surgiu como uma proposta a presunção elitista da Conceptronica, numa expedição warholiana que visou ingressar a música pop na cena experimental, produzir personas e lidar com a internet como sua plataforma mór de alcance. Hoje, quase 10 anos após seu surgimento, é fato que a indústria fonográfica nunca mais será a mesma, desde a popularização de formatos alternativos de comercialização até sua reestruturação de parâmetros para criação audiovisual. Tudo mudou.

Talvez não seja essa a revolução messiânica pela qual a música anseia, mas os frutos dessa vanguarda inquieta, com TDAH viral e um virtuosismo quase anárquico, nos dão esperança que ainda há muito com que se surpreender.

Matheus Gouthier via For An Art Direction.

Abril de 2020.

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