Mat Maitland: ‘’A imagem está e sempre estará intrinsecamente ligada à música’’

For an Art Direction
6 min readJan 29, 2021

Responsável pela direção criativa de The Information (2006) — o transgressor décimo álbum de estúdio de Beck — Mat Maitland é um pioneiro nas artes gráficas e na direção criativa. Ao longo de 20 anos presente na indústria fonográfica, Maitland fez da experimentação sua grande aliada e se tornou um nome chave para a direção de arte na música.

Conversamos com o artista visual e diretor criativo cujo catalogo inclui nomes como Michael Jackson, Giorgio Moroder, Lana Del Rey, La Roux, Marina, etc. A entrevista a seguir foi realizada em outubro de 2020 e faz parte do projeto de pesquisa 4 An Art Direction, de Matheus Gouthier. Confira.

Quais são suas maiores inspirações e referências?

Não são especificamente de um lugar, mas de uma fusão de várias coisas: arte, fotografia, filmes, sonhos, música … Suponho que a inspiração é difícil de definir na maioria das vezes, eu diria que me inspiro mais no passado, em vez de perseguir as tendências atuais.

Uma inspiração inicial foi Michael Jackson e Prince, pois ambos criaram mundos de fantasia e tinham um ar místico que era fascinante e envolvente para um jovem adolescente como eu.

Quais são seus projetos gráficos e/ou exemplos de direção criativa favoritos?

Xscape (2014) de Michael Jackson.

Você quer dizer entre as que eu fiz? Minha favorita provavelmente teria de ser a capa do Xscape de Michael Jackson. Eu cuidei da direção de arte, do design e fiz a imagem dela. The Information do Beck também é um momento de destaque na minha carreira.

Nos projetos que você assina a direção criativa, qual é o seu processo? Você está presente no processo de produção musical do álbum ou a direção criativa é função da pós-produção?

A música é sempre uma chave junto ao “mundo” visual dos artistas em si. É uma parte vital do processo, caso contrário o pensamento criativo não está enraizado em nada e se torna um pouco sem significado. Dependendo do artista com que trabalho, normalmente encontro eles e conversamos sobre seus pensamentos e ideias. Claro que nem todos artistas vem com ideias e também não é sempre que você tem a chance de conhecê-los, então às vezes é um processo um pouco menos colaborativo.

Você já assinou álbuns de Lana Del Rey, Beck, La Roux, etc.; artistas com uma ideia muito sólida sobre seu conteúdo visual. Como é o processo de direção criativa / design com artistas que já têm uma ideia em mente?

Com Beck foi bastante colaborativo, nós — eu e meu parceiro de negócios — voamos para Los Angeles para encontrá-lo e discutir a arte do álbum. Beck é um cara muito fã de design, então ele conhecia nosso trabalho e estava realmente interessado em trabalhar conosco (depois de várias tentativas falhas). Nós tivemos alguns encontros com ele, que tiveram como fruto o início da ideia dos adesivos que acabaríamos por fazer. Daí, foram várias chamadas quando voltamos ao Reino Unido, discutindo com que artistas poderíamos trabalhar e quais ilustrações escolheríamos. Nós trabalhamos com cerca de 15 artistas e fizemos mais de 250 ilustrações para adesivos. Então a direção de arte foi realmente por conta de nós três.

Adesivos para Information (2006) de Beck. Artistas: Jody Barton, Juliette Cezzar, Estelle & Simon, David Foldvari, Genevieve Gauckler, Michael Gillette, Jasper Goodall, Mercedes Helnwein, Han Lee, Mat Maitland, Ari Michelson, Parra, Melanie Pullen, Gay Ribisi, Aleksey Shirokov, Will Sweeney, Kam Tang, Adam Tullie, Kensei Yabuno, Vania Zouravliov.

La Roux também foi super colaborativa… temos gostos parecidos então foi muito fácil trabalhar com ela. Com Lana Del Rey foi diferente, desde que eu estava envolvido somente no design do álbum e não na direção de arte. Dos três álbuns que ela nos comissionou (Ultraviolence, Honeymoon, Lust for Life), ela fez as fotos em Los Angeles e então nós (Big Active) trabalhamos a partir destas em Londres.

E você se sente mais confortável com artistas que já têm um escopo imagético em mente ou artistas que não têm um norte visual pré-estabelecido?

Ambos são bons para ser honesto. Mark Ronson, por exemplo, não tinha ideias específicas quando trabalhamos em Record Collection — além do título que veio dele, é claro — então, esse conceito veio de mim e ele ficou muito feliz com isso. Neste caso, embora o título e o tema realmente conduzissem a ideia, era menos sobre mergulhar em sua persona. Também é ótimo quando o artista tem em mente as ideias iniciais da direção.

Normalmente é sobre a química ou sintonia em relação a gostos e a estética… Eu acho os projetos mais difíceis aqueles que o artista tem um gosto totalmente diferente ou mal gosto. Aí é super difícil… No final das contas, com qualquer direção criativa, você está à mercê de outra pessoa para reconhecer o que você vê em uma ideia, estilo ou imagem.

Material desenvolvido para o álbum Supervision (2020) de La Roux.

Para você, o que define uma boa direção de arte?

A capa de um álbum é como uma faixa do álbum; está para sempre ligada à música. Então acho que uma boa direção de arte é quando os dois se encaixam e estão conectados, que o pensamento vem e é conduzido pela música e pelos temas trabalhados nela… Mesmo que não seja super óbvio, a intenção deveria estar por trás disso.

Suponho que uma boa capa deve dar a você algo da música sem ouvi-la, embora o mistério também seja uma ferramenta poderosa para seduzi-lo e excitar sua imaginação. Eu considero a arte da capa de disco a forma de arte mais pura no mundo comercial — fora do mundo da arte -, pois pode ser uma expressão totalmente criativa, livre de interesses comerciais. Isso não quer dizer que não haja uma grande parte dela que também seja totalmente impulsionada pelo comércio e, claro, alguns projetos são fortemente impulsionados pelo marketing, especialmente no gênero pop.

Quais são as noções teóricas e práticas que você considera essenciais para um diretor de arte em música?

O conhecimento visual é a chave, eu acho que em cada projeto você vai resgatar milhares de coisas que viu e pesquisou no passado. Tudo isso indica onde você pode levar um projeto, então quanto mais pontos de referência você tiver, melhor… Isso lhe dá mais caminhos para explorar.

Bianca Jagger em polaroid de Andy Warhol (1981) em comparação ao álbum What’s Your Pleasure? (2020) de Jessie Ware, com direção criativa assinada por Mat Maitland.

Como você descreveria a importância da direção de arte na indústria musical? Nos dias de hoje é possível pensar em música sem pensar em imagem?

Suponho que as pessoas pensem que no mundo de hoje a capa do disco não é tão importante, pois muitas vezes é vista muito pequena agora (digitalmente), no entanto, eu discordo. Acho que a imagem está e sempre estará intrinsecamente ligada à música … quero dizer, é difícil imaginar nenhum acompanhamento visual para uma música ou um álbum… Sem ele você ficaria com um arquivo digital anônimo.

Identidade visual para o álbum Déjà Vu (2015), de Giorgio Moroder, e seus respectivos singles.

A música é uma coisa, mas a projeção de imagens e visuais pode abrir uma dimensão totalmente nova para a música que não estaria lá. É um pouco como rádio versus televisão: as pessoas ouviram Elvis, mas quando o viram, isso o deixou ainda mais cativante.

Hoje, os artistas de maior sucesso são muito mais do que música — Billie Eilish, The Weekend, etc. eles precisam de recursos visuais para elevar seu mundo musical … Eu diria que é mais importante hoje do que nunca.

Entrevista por Matheus Gouthier, via For An Art Direction.

Como referenciar essa pauta?

GOUTHIER, Matheus. Mat Maitland: ‘’A imagem está e sempre estará intrinsecamente ligada à música’’ . For An Art Direction, 2021. Disponível em: <https://4anartdirection.medium.com/>. Acesso em: dia, mês e ano.

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Página de pesquisa dedicada a direção de arte audiovisual fonográfica | Researching phonographic art direction as a link of different expressions